A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós


A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós
Fonte:
QUEIRÓS, Eça de. A cidade e as serras. São Paulo : Ática. (Série Bom Livro)
Texto proveniente de:
A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro <http://www.bibvirt.futuro.usp.br>
A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo
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Texto-base digitalizado por:
Marciana Maria Muniz Guedes - São Paulo/SP
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A CIDADE E AS SERRAS
Eça de Queirós
ADVERTÊNCIA
Desde a página 126, até o final, as provas deste livro não foram revistas pelo autor, arrebatado pela morte antes de haver dado a esta parte da sua escrita aquela última demão, em que habitualmente ele punha a diligência mais perseverante e mais admiravelmente lúcida. Aquele dos seus amigos e companheiro de letras, a quem foi confiado o trabalho delicado e piedoso de tocar no manuscrito póstumo de Eça de Queirós, ao concluir o desempenho de tal missão, beija com o mais enternecido e saudoso respeito a mão, para todo o sempre imobilizada, que traçou estas páginas encantadoras; e faz votos pôr que a revisão de que se incumbiu não deslustre muito grosseiramente a imortal auréola com que resplandecendo na literatura portuguesa este livro, em que o espírito do grande escritor parece exalar-se da vida num terno suspiro de doçura, de paz, e de puro amor à terra da sua pátria.
24 de abril de 1901.
I
O meu amigo Jacinto nasceu num palácio, com cento e nove contos de renda em terras de semeadura, de vinhedo, de cortiça e de olival.
No Alentejo, pela Estremadura, através das duas Beiras, densas sebes ondulando pôr e vale, muros altos de boa pedra, ribeiras, estradas, delimitavam os campos desta velha família agrícola que já entulhava o grão e plantava cepa em tempos de el-rei d.Dinis. A sua Quinta e casa senhorial de Tormes, no Baixo douro, cobriam uma serra. Entre o Tua e o Tinhela, pôr cinco fartas léguas, todo o torrão lhe pagava foro. E cerrados pinheirais seus negrejavam desde
Arga até ao mar de âncora. Mas o palácio onde Jacinto nascera, e onde sempre habitara, era em Paris, nos Campos Elísios, nº.202.
Seu avô, aquele gordíssimo e riquíssimo Jacinto a quem chamavam em Lisboa o D.Galião, descendo uma tarde pela travessa da Trabuqueta, rente dum muro de quintal que uma parreira toldava, escorregou numa casca de laranja e desabou no lajedo. Da portinha da horta saía nesse momento um homem moreno, escanhoado, de grosso casaco de baetão verde e botas altas de picador, que, galhofando e com uma força fácil, levantou o enorme Jacinto – até lhe apanhou a bengala de castão de ouro que rolara para o lixo. Depois, demorando nele os olhos pestanudos e pretos:
- Ó Jacinto Galião, que andas tu aqui, a estas horas, a rebolar pelas pedras?
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